Projeto da UFABC em São Bernardo ensina português às crianças, principalmente árabes
Já imaginou mudar para outro país, muitas vezes para escapar até de uma guerra, e não entender ou conseguir falar uma única palavra da língua local? Como imigrantes, muitas crianças chegam ao Grande ABC. Pelo menos 85% delas são da comunidade árabe (como Síria, Líbano e Palestina), segundo a UFABC (Universidade Federal do ABC), que hoje promove a principal iniciativa regional para ensinar português, desde os 2 anos, a famílias que emigraram em situação de vulnerabilidade e também refugiados (aqueles que precisaram fugir de onde nasceram).
Realidade que tem crescido no Brasil e revelada em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O Censo Escolar de 2010 a 2020 aponta que o número de crianças e adolescentes imigrantes matriculados na educação básica do País aumentou, apenas em uma década, 65,2%.
Foi neste contexto que a urgência para uma ‘língua do acolhimento’ inspirou, em 2018, a professora da UFABC, Jeniffer Supplizzi, a criar o Nossa Casa, projeto voltado inicialmente a adultos, que hoje coordena, e se estendeu em 2019 a crianças que vieram de outros países e que precisavam desenvolver a língua portuguesa. O programa é desenvolvido no campus de São Bernardo. “A principal vulnerabilidade é linguística. Há um mito de que o Brasil é acolhedor, mas até a burocracia de documentos para um imigrante ou refugiado ficar aqui dá margem à corrupção (crime). Mas nunca me senti mais brasileira do que agora. São sorrisos que quebram barreiras”, fala ela que, juntamente com voluntários do corpo docente, montou um material didático humanizado direcionado à causa.
E por falar em barreiras, até o nome diferente foi uma dificuldade na nova escola para Yusuf Mustafa, 9 anos, que veio do Egito em 2023 juntamente com os pais, Mustafa Chebl e Amina Hamdi, e a irmã, Rahaf Mustafa, em busca de melhores condições de educação, saúde e trabalho. “Precisava corrigir meus amigos. Em casa, falamos principalmente em árabe, mas tinha um período que o papai só falava em português para a gente treinar. Atualmente, Yusuf se mostra mais ambientado. E não só à língua. “Hoje, eu amo arroz e feijão, mas minha música favorita é árabe e sinto falta das praias do Egito”, diz ele, que aprendeu a fazer amigos estudando também no Nossa Casinha, já que no prédio só tem um amigo que se comunica em sua língua materna.
Quem também conheceu o projeto realizado aos fins de semana, até por uma sugestão no WhatsApp da Mesquita Islâmica em São Bernardo, foi a família de Lila Hamsho e Mohammad Baleed, da Síria, país em guerra há 14 anos. Em busca de fixar residência, o casal passou pela Turquia e Arábia Saudita, onde nasceram Zain Baleed, 10 anos, Meral, 5, e Carla, 2. “Brincamos em árabe e arrisco inglês e turco, mas o português é o mais difícil. Mesmo aqui, a mamãe prepara comidas como Kanafeh (doce com queijo) e Marshy (charuto com folha de uva recheado para a gente lembrar de onde viemos”, fala Zain.
INFÂNCIA POLITIZADA
Segundo Giovanna Macedo, professora dos pequenos entrevistados pelo Diarinho, além de estimular a independência das crianças (com turmas para todas faixas etárias, liberando as crianças do papel de ‘tradutor’ dos pais), o Nossa Casinha ganha em lições de vida.
“A guerra marcou a maioria das crianças aqui. É estranho observar como eles pensam em política tão pequenos. Certa vez, construímos um robô reciclável e um aluno comemorou dizendo que salvaria a Palestina, seu país, de ataques. Algumas crianças deste povo, aliás, rejeitam até mesmo algumas marcas de objetos que trazemos à sala, porque, segundo eles, são um patrocínio de Israel”, conta ela, valorizando a reflexão cultural do espaço.
Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.