Epidemia. Já há uma espécie de consenso entre especialistas de que, dados os números de casos de transtornos e doenças relativos à saúde mental diagnosticados nos últimos anos, o Brasil enfrenta situação de extrema gravidade no que diz respeito à falta de retaguarda para garantir o estado de bem-estar emocional, psicológico e social que permita aos cidadãos lidar com os desafios da vida. Não é diferente no Grande ABC. Fazer algo para mudar a realidade passou a ser uma imposição destes dias.
Já tem algum tempo que o sinal de alerta se acendeu. São assustadores, e cada vez mais frequentes, os relatos sobre a extensão e os impactos causados por transtornos e doenças mentais. Dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado no segundo semestre de 2024, apontam que a taxa de suicídio entre policiais civis e militares da ativa cresceu 26,2% em 2023 em comparação ao ano anterior, transformando-se na principal causa das mortes de agentes no País, superando as que se dão em confrontos, seja durante o serviço ou na folga.
Pouco menos de um mês atrás, este jornal trouxe reportagem, baseada em levantamento do Ministério da Previdência, abordando o afastamento de profissionais de suas atividades no Brasil. Estudo mostrara que, nos últimos dez anos, casos relacionados à saúde mental usados como justificativa para licenças laborais mais do que dobraram. Em 2024, o País anotou cerca de de 440 mil afastamentos por transtornos e doenças relativas a esta área médica específica, novo recorde na série histórica. Em 2014, o número era de 203 mil.
Na origem da maioria dos eventos extremos, como o suicídio de policiais, ou graves, como a incapacidade para o trabalho, estão episódios depressivos e transtornos de ansiedade, reações ao estresse grave e síndromes associadas a jornadas extenuantes. Também variam pouco as explicações de especialistas para o fenômeno, quase sempre convergentes: o poder público – e também a iniciativa privada, evidentemente – está falhando na preservação da saúde mental dos brasileiros, sejam eles agentes de segurança pública ou trabalhadores de outras áreas.
Não é preciso, todavia, recorrer a dados estatísticos ou a reportagens publicadas pela imprensa para reconhecer a grave situação da saúde mental dos brasileiros. Uma simples conversa com conhecidos ou a mera observação do cotidiano das cidades são suficientes para notar o sofrimento psicológico que afeta parcela significativa da sociedade. A população está sofrendo. E, pior, sem receber o respaldo necessário do poder público.
Tão nítida quanto a escalada dos casos diagnosticados de transtornos e doenças mentais é a falta de amparo clínico e hospitalar para tratar dos pacientes. As respostas da União, do Estado e dos municípios existem, evidentemente, mas são tímidas e insuficientes para abarcar a demanda. A situação fica ainda pior quando se fala em prevenção, onde as iniciativas são incipientes.
Faltam estudos mais abrangentes que embasem uma política pública consistente para estancar a epidemia. Caminha-se por um deserto estatístico. O senso comum, porém, sugere que, nesta seara complexa, as doenças mentais são mais negligenciadas que os transtornos. Recentemente, uma ampla mobilização nacional pela causa, com o envolvimento de personalidades e políticos, chamou a atenção para os desafios dos autistas, daí nascendo base razoável de assistência – o que atesta a validade de campanhas destinadas a envolver toda a sociedade na conscientização de temas como o TEA.
A questão da saúde mental é tão importante e premente que todo o Grande ABC fica concitado a se engajar na campanha pela criação de rede destinada a proteger os quase 3 milhões de moradores das sete cidades contra o avanço dos efeitos deletérios de doenças e transtornos incapacitantes. A mobilização da sociedade civil organizada e de seus representantes políticos em nome da causa é necessária e urgente.
Todos estão convidados a reforçar esta frente cidadã que ora se constitui, sob o selo ‘Nossa Saúde Mental’, contribuindo com ideias, projetos e iniciativas destinadas a garantir o bem-estar da comunidade. Representantes de entidades classistas, clubes de serviços, empresas, universidades, Consórcio Intermunicipal, partidos políticos dos mais diferentes matizes ideológicos, deputados estaduais e federais, prefeitos, vereadores e – especialmente – você que lê esta mensagem.
Prestes a completar 67 anos de circulação ininterrupta a serviço do Grande ABC e de sua gente, em 11 de maio próximo, o Diário empunha hoje mais uma de suas históricas bandeiras, agora em defesa, entre outras medidas, da instalação de um Hospital Público de Saúde Mental na região, prometendo só ensarilhar suas armas quando o poder público, enfim, demonstrar que passou a zelar como se deve pela saúde mental da população. À luta!
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