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Falta de tratamento pode agravar problemas mentais

Moradores relatam dificuldades para obter atendimento em serviços públicos na região

Tatiane Pamboukian
28/04/2025 | 08:18
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FOTO: Claudinei Plaza/DGABC


A saúde mental é um problema nacional e a situação não é diferente no Grande ABC. Pessoas afetadas por transtornos relatam a dificuldade que enfrentam para ter acesso a um tratamento contínuo, o que teria provocado agravo em suas condições. O impacto da falta de assistência é um sofrimento intenso, que pode até gerar a incapacidade de exercer as atividades diárias. 

A dona de casa Aline Carvalho dos Anjos Pereira, 27 anos, moradora do Jardim do Estádio, em Santo André, tem depressão desde os 17, situação que piorou há cerca de um ano. “Estou vivendo uma crise de depressão, pois fiquei muito nervosa com alguns acontecimentos. Perdi meu pai durante minha gestação, a bolsa (amniótica, que protege o feto) estourou antes da hora e quase perdi meu filho, que nasceu com 750 gramas. Eu não tinha mais forças para levantar da cama por causa da depressão e para mais nada, apenas minha fé, porque não faço tratamento por falta de recursos e não consigo uma psicóloga gratuita. Às vezes, tenho vontade de tirar minha vida”, desabafa.

Aline recebeu atendimento médico e medicação para o momento mais crítico, há um ano, na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Perimetral, mas nunca chegou a ter acompanhamento psicológico. “Acredito que a terapia ia me ajudar, assim como iria ajudar tantas outras pessoas que não têm recursos para pagar o acompanhamento de um psicólogo”, avalia. 

O nutricionista Mateus Vigo, 33, de Santo André, também passou por momentos críticos. Sem conseguir tratamento na rede pública, acabou utilizando recursos próprios para ter um atendimento psicológico. Ele sofre com depressão e transtorno de personalidade borderline (caracterizado por instabilidade emocional, impulsividade, e dificuldades nos relacionamentos) há 17 anos.

“É muito difícil conseguir atendimento pela rede pública. Estou há mais de um ano esperando me chamarem na UBS (Unidade Básica de Saúde) Cidade São Jorge. Não consegui tratamento, e quem tem algum transtorno mental precisa de auxílio rápido, por isso estou fazendo particular. Quando fiquei sem tratamento piorei, mas graças ao meu grupo de apoio não fiz coisas piores. Só que tem gente que não tem essa rede e piora muito”, avalia o andreense. 

De acordo com a Secretaria de Saúde de Santo André, as UPAs não são referência para tratamento de saúde mental. Nelas, são realizados atendimentos emergenciais para quem está em crise. Para dar início ao acompanhamento psicológico, o munícipe deve procurar uma UBS para ser encaminhado ou ir diretamente ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Lá, o atendimento é feito de forma imediata em pacientes em crise, caso contrário, ele entrará no fluxo de agendamento, que considera os níveis de prioridade. 


CONSEQUÊNCIAS

A psiquiatra Maura Rita Chioato explica que o borderline tem uma impulsividade que pode levar à automutilação, vícios e comportamentos suicidas. “Embora muitos desses atos autodestrutivos não visem acabar com a vida, o risco de suicídio nesses pacientes é 40 vezes maior.”

Pacientes com depressão também correm riscos de perder a capacidade de exercer atividades básicas se não tratados. “A depressão grave pode apresentar sintomas psicóticos como alucinações. O tratamento deve ser feito o mais rápido possível, pois o cérebro sofre prejuízos irreversíveis”, alerta a médica. 

O psicólogo e professor da Fundação Santo André, Ednilton Santa Rosa, diz que a psicoterapia é um recurso importante na prevenção e tratamento. “O sofrimento psíquico, quando não tratado, se transforma em algo mais complexo, como transtornos mentais graves, uso abusivo de substâncias, afastamentos do trabalho, internações, violências interpessoais e tentativas de suicídio. Tudo isso representa um custo altíssimo, não só humano, mas financeiro para o sistema público de saúde, previdência e segurança”, afirma. 

O professor, que tem uma clínica em São Bernardo, conta que muitos de seus pacientes chegam com quadros significativamente agravados após tentativas frustradas de atendimento na rede pública. “Já atendi pessoas que vieram ao consultório após crises de pânico, ideação suicida ou doenças psicossomáticas graves, que verbalizaram que se tivessem recebido ajuda antes, talvez não chegariam nesse ponto.” 

Região deve ganhar complexo de saúde especializado

Tendo em vista a gravidade do tema e a falta de apoio do poder público para oferecer tratamento gratuito à população em sofrimento, o Diário lançou, no último dia 13, uma campanha em prol da implantação de complexo público de saúde mental no Grande ABC. 

Em resposta, o deputado federal Alex Manente (Cidadania) compartilhou um projeto que tem o objetivo de suprir toda a demanda que os equipamentos disponíveis hoje na região não conseguem atender. 

Para viabilizar a proposta, o deputado reservou R$ 18 milhões das emendas parlamentares impositivas a que tem direito. O parlamentar diz que metade do valor deve ser utilizado para a construção do equipamento, ou ampliação de um complexo de saúde mental e a outra metade para o custeio. 

O valor citado é baseado na estimativa do Orçamento da União para 2025, podendo ser maior ou menor. Alex Manente vai indicar a destinação dos recursos para os municípios que se habilitarem a recebê-lo para este fim específico, estando à disposição das sete prefeituras da região para que o projeto possa avançar. 

FALTA ESTRUTURA

A proposta tem o apoio da população, que anseia pela ampliação de serviços de atendimento psicológico e psiquiátrico. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que ao menos 15% da população mundial vive com algum problema de saúde mental. 

De acordo com essa estimativa, somente no Grande ABC haveria 420 mil pessoas com algum transtorno mental,já que a população da região é de cerca de 2,8 bilhões de habitantes, segundo o Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

A rede pública fez em 2024 cerca de 500 mil atendimentos, entre consultas psiquiátricas e terapias diversas, o que daria uma média de 40 mil atendimentos mensais. O que não supre a demanda, ainda mais considerando que a recomendação dos especialistas é de quatro sessões por mês para cada paciente. 




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