Elenco busca conscientização, ao abordar impactos dos transtornos mentais em artistas
Mariana França, 37 anos, moradora de São Bernardo, sempre buscou respostas sobre o que fazer quando a falta de saúde limitava sua força de trabalho. Foi em 2015, quando começou uma nova etapa na vida – uma especialização no CAV (Centro Audiovisual em São Bernardo) –, que a atriz se viu justamente de mãos atadas ao receber o diagnóstico de depressão com transtorno de ansiedade generalizada. Os dias de angústia inspiraram, como projeto final do curso, o documentário Clausura.
Formada em Produção Multimídia pela Umesp (Universidade Metodista de São Paulo), a profissional dirigiu o curta de 25 minutos, segundo ela, como “uma forma pedagógica de aprender a lidar com as nuances depressivas, assim como uma ferramenta para abordar o assunto”, com outros diagnosticados, familiares e amigos.
No elenco, foram entrevistados nas cenas três artistas que sofrem com transtorno de bipolaridade, depressão e esquizofrenia. Os relatos envolvem depoimentos conectados com episódios de racismo, compulsão alimentar e a negação de diagnósticos.
Ao todo, a filmagem levou sete prêmios nacionais, ganhando espaço também em 29 festivais e mostras desde 2017. “A ideia deu certo, porque deixou de ser algo técnico, e virou poético. Mas é bem curioso pensar que, infelizmente, tudo nasceu das minhas primeiras crises de depressão, também porque tinha vergonha de admitir minha condição. Nas crises, eu ficava completamente inapta, imprestável para qualquer coisa. E a minha pergunta ao fim sempre era: ‘será que outras pessoas, como as que trabalham com arte, assim como eu, também sentem o mesmo?’”, detalha Mariana, atualmente celebrando, após dez anos do lançamento, sua última etapa de desmame de medicação psiquiátrica.
Segundo ela, entretanto, uma das suas principais conquistas de vida é “a chegada da obra em espaços que possam promover políticas públicas voltadas às doenças mentais para outras pessoas”.
CORRENTE
Diante da urgência em ampliar o acesso dos moradores do Grande ABC a terapias e tratamentos voltados ao cuidado da saúde mental, o Diário lançou uma campanha, no dia 13 de abril, em prol da implantação de complexo público de saúde mental na região. A necessidade tem sido reforçada não só pela incidência de produções e agendas culturais (com exemplos compilados no link e abaixo), mas pela população local (abaixo).
Fala, povo
“Meus amigos e familiares estão adoecidos mentalmente, mas só entendi numa série.”
Camila Araújo, 26, analista de projeto em São Paulo, sobre 13 Reasons Why.
“As prefeituras poderiam se comprometer mais com qualquer projeto de saúde mental.”
Michel Vasconcelos, 50 anos, marceneiro de Santo André.
“Na correria, a gente se larga e desenvolve ansiedade mesmo.
O tema é antigo, a necessidade urgente.”
Maria Rodrigues, 59 anos, dona de casa de Mauá.
“Com a esquizofrenia, descobri a ansiedade. Queria que livros abordassem mais este tema e a depressão.”
Kauan Alencar, 24 anos, morador de Santo André, desempregado.
INDICAÇÕES CULTURAIS SOBRE O TEMA
‘Dá Para Fazer’, do italiano Giulio Manfredonia, é baseado no real
De 2008, o curta de comédia dramática italiana Dá Para Fazer (Si Può Fare) contrapõe o estigma das doenças mentais. Tudo começa com o fechamento de hospitais psiquiátricos na Itália e a aproximação de Nello, sindicalista, com cooperativa de pacientes psiquiátricos. Acreditando na dignidade do trabalho, ele os convence a substituir as esmolas que recebem por ocupações de verdade, baseadas em suas capacidades e limitações. Baseado em fatos reais, a obra é um referencial na abordagem das potencialidades da acessibilidade e a singularidade humana.
‘A Vegetariana’, romance que deu prêmio à coreana Han Kang
O romance da sul-coreana Han Kang – Nobel de Literatura em 2024 – de cara aparenta prospectar discussões sobre o consumo de carne animal, mas beira a esquizofrenia. O livro foi publicado em 2007, e o seu enredo mantém o tom perturbador entre linhas de frases diretas e simples, traduzidas pela editora Todavia.
Na obra, Yeonghye, uma mulher casada, após pesadelos, decide parar de comer carne. A decisão, todavia, revela como o detrimento da saúde mental, por distúrbios psicológicos, pode caminhar até ao desmonoramento de uma estrutura familiar e a violação de direitos.
‘Euphoria’, um marco lançado no streaming norte-americano
Euphoria, trama de três temporadas, começa com a protagonista Rue (Zendaya) se adaptando a uma nova vida ‘limpa’ após ser internada por overdose. Na história, a jovem é diagnosticada com deficit de atenção e hiperatividade, ansiedade, bipolaridade, depressão, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e outras condições psicológicas, que a levaram à perigosa automedicação. Os episódios têm classificação etária +18, explicada pelas cenas explícitas de sexo e pela abordagem crua da deterioração da saúde mental na juventude.
Yayoi Kusama, a artista japonesa que abraçou seus transtornos
A japonesa Yayoi Kusama define a autenticidade e criatividade que podem estar presentes na linha entre a loucura e a arte. Aos 96 anos, ela vive há mais de 40 anos, por iniciativa própria, em uma instituição psiquiátrica em Tóquio. Por lá, transpõe em telas, roupas e esculturas suas alucinações decorrentes de um transtorno obsessivo compulsivo. São bolinhas, cores psicodélicas e uma identidade visual peculiar a partir das visões. Ao Globo, a artista comentou que a criação , mesmo que baseada em uma doença, também era necessária para que ela lutasse “contra os sentimentos de morte”.
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